Uma ideia de que me tenho apercebido nos últimos tempos é o facto de que, para muitos de nós, o conceito de prazer parece estar inseparavelmente ligado a gastar dinheiro.
Vemos isso de várias formas: seja o “andei o semestre inteiro a poupar, merecia uma recompensa/mimo” (frequentemente dito para justificar o desaparecimento dessa poupança…), seja o “poupar? só temos uma vida, quero é vivê-la ao máximo“, seja a simples associação dos conceitos de poupança e frugalidade a deprivação e sacrifício.
Daí que para tanta gente — e incluo-me a mim até recentemente: fui um péssimo exemplo até há uns meses… — poupar é tão difícil: cada vez que conseguimos resistir a uma tentação e não compramos algo, custa mesmo, é um sacrifício que estamos a fazer; podíamos estar a sentir-nos felizes nesse momento e não estamos.
Neste artigo, que já tinha mencionado num comentário ao meu post sobre o factor galão, vi esta parte que acho que diz muito (desta vez em português):
Alguns descartam o factor galão porque querem “aproveitar” a vida. Ouço frequentemente que a “a vida é curta” e que devemos “viver no presente.” Esses clichés, sem dúvida, têm alguma verdade. Porém, raramente ouço pessoas dizer, “A vida é curta, vou ler um bom livro” ou “A vida é curta, vou passar tempo com a família.” Por alguma razão, estes clichés são sempre utilizados para justificar gastar dinheiro.
Acho que a parte importante dessa citação nem é tanto o factor galão propriamente dito, mas sim a rejeição, da parte do autor, da associação implícita entre “aproveitar a vida” e “gastar dinheiro”.
Desassociar essas coisas não é, provavelmente, nem fácil nem rápido, sobretudo depois de décadas em que na nossa mente estiveram sempre interligadas, mas parece-me um óptimo passo no bom caminho — não apenas para mudarmos os nossos hábitos para melhor, mas também para não sofrermos com isso. É por isso que, na minha opinião, poupança e frugalidade não são a mesma coisa; a primeira é algo que fazemos, mas a segunda é uma forma diferente de pensar. A primeira pode significar que achamos que “precisamos” das coisas mas (com sacrifício) resistimos; a segunda é apercebermo-nos de que na verdade vivemos bem sem certas coisas 1, que elas no fundo não nos fazem tão felizes como isso.
Indo mais longe, diria que na maioria dos casos o “prazer” de se comprar coisas é apenas momentâneo — e não, não me estou a referir somente a gastar dinheiro em comidas, bebidas, etc., mas também a coisas que levamos para casa. 🙂 Podemos julgar que algo — seja um novo par de sapatos ou um novo BMW — nos vai dar bastante prazer durante um bom tempo, mas na verdade adaptamo-nos rapidamente a isso, o nosso nível de felicidade volta a como estava antes de se ter esse algo, e depressa estamos a precisar de outra “dose” de compras. Sim, a comparação com o que estão a pensar é intencional. É assim que funcionamos, infelizmente. (Mais sobre isto no eventual post sobre adaptação hedónica…)
Resumindo:
- se poupar é para ti um tremendo sacrifício, que sentes que te faz “não viver a vida”, vê lá bem se não associas (mesmo que inconscientemente) “prazer” e “gastar dinheiro”;
- se sim, faz por desassociar essas duas coisas. Não só poupar deverá ficar bastante mais fácil (tornando-se até natural), como provavelmente vais conseguir descobrir outras alegrias mais duradoras. Sugiro ler, ouvir música, passear (mesmo que a pé), ou conviver com pessoas interessantes, mas aqui cada um saberá de si. 🙂
Desculpem o tamanho do post. 🙂 Opiniões?