A “magia” de poupar 50% do ordenado

Mencionei isto por alto num comentário recente, mas acho que merece um post dedicado. 🙂

Ao contrário da “sabedoria convencional” das finanças pessoais, que recomendam que se poupe 1 10% do ordenado, a comunidade de Independência Financeira sugere que se tente atingir os 50% de poupança (ou até mais, se possível!).

50%Naturalmente, parte da ideia é simplesmente aumentar a poupança (e a necessária frugalidade e/ou rendimentos) o mais possível, mas este valor — metade do que se ganha — tem outra particularidade, que passo a citar:

  1. Poupar 50% do que se ganha implica que se consegue viver com os outros 50%…
  2. … ou seja, quer dizer que em cada mês acumulamos o necessário para viver outro mês, sem quaisquer rendimentos. Quem diz mês, diz vários meses, ou anos.

Exemplificando com valores: se alguém ganha 2000€ e vive com 1000€, poupando os outros 1000 (como sempre, ignorem se estes valores são realistas; são apenas números redondos para simplificar), então os 1000€ que poupou já dariam para o mês seguinte, caso por alguma razão (intencional ou não) não entrasse qualquer dinheiro.

6 meses a viver com 50%, isto é, 1000€/mês, geram uma poupança de 6000€, que permite depois viver mais 6 meses sem trabalhar, assumindo que a pessoa continua a viver com os mesmos 1000€/mês. 2 anos a poupar 50% (24000€) permitem depois “descansar” (ou ir explorar outros projectos/oportunidades, sem medo de não ter como sobreviver entretanto) por outros 2 anos.  20 anos a poupar 50%… estão a ver a ideia?

Claro que tudo isto assume várias coisas: que tanto o ordenado como o custo/nível de vida (ou pelo menos a proporção entre ambos) se mantêm (o que raramente acontece, sobretudo quando o agregado familiar se altera), e que o dinheiro acumulado não rende nada mas também não perde poder de compra devido à inflação. Se estiver investido a render mais do que a referida inflação (e não há razão para não estar), o período de “consigo sobreviver sem entrar dinheiro” até será maior do que o de trabalho que o originou.

Caindo agora um pouco no “mundo real” — claro que, com os ordenados médios (já nem falando nos mínimos) em Portugal, e com o custo de vida que temos, poupar 50% não estará ao alcance de muita gente (se bem que é sempre bom poupar nem que seja alguma coisa), e não critico ninguém que não consiga, obviamente. Mas se for possível, com o tempo, ir aumentando a frugalidade e/ou os rendimentos (idealmente ambos), talvez a “magia” do “um mês de trabalho dá-me dois meses de vida” seja um bom incentivo para chegar, um dia, a esta percentagem. 🙂

Eu, se não tivesse os créditos para pagar, de certeza que conseguiria, com o que ganho e gasto actualmente… Enfim, lá chegarei.

Paga-te a ti próprio primeiro

Paga-te a ti próprio primeiro
Fonte: Flickr

Paga-te a ti próprio primeiro” é um conceito (ou conselho, se preferirem) já conhecido há anos — o livro “The Richest Man in Babylon”, de George S. Clason, já o menciona, e esse livro 1 foi publicado em 1926! — mas que, por outro lado, não acho que esteja tão divulgado como seria desejável; eu, por exemplo, no início de 2016 ainda não tinha ouvido falar nele… Enfim, mais vale tarde que nunca. 🙂

A ideia do conceito é que a maior parte das pessoas, incorrectamente, quando recebe o ordenado, começa por pagar as várias contas (electricidade, etc.) e outras despesas regulares — ou seja, está-se a pagar a outros –, e depois passa o mês a fazer os gastos habituais, e só depois disso, se sobrar alguma coisa, é que esse possível resto vai para a poupança e/ou investimento 2. Claro que o valor dessa poupança tende a ser nulo, já que, para a maior parte das pessoas, os gastos “essenciais” (que muitas vezes não passam de luxos) escalam em proporção ao dinheiro que entra. Por outras palavras, raramente “sobra” dinheiro no fim do mês, e depender dessas “sobras” para criar e fazer crescer um pé de meia, em geral, não resulta.

A alternativa, como deve ser óbvio neste momento, é pagarmo-nos a nós próprios primeiro. Isso implica determinar um valor (que pode ser fixo, tipo X€, ou uma percentagem do ordenado, como 10% — recomendo esta última alternativa, se bem que não necessariamente esse valor), e transferi-lo para a poupança, imediatamente após se receber. Idealmente até se automatiza esse processo, para evitar esquecimentos e/ou tentações. Deve-se ver isto como se fosse uma conta a pagar, tão obrigatória como qualquer das outras — de certa forma até é mais importante a longo prazo, já que servirá para melhorar a nossa vida, e não apenas para a manter como ela está.

Aqui, inevitavelmente, há quem diga algo como “sim, isso é tudo muito bonito, mas é para quem ganha bem! O meu ordenado mal me chega para o mês; já passo a última semana a contar os tostões, e ainda queres que lhe retire uma parte no início do mês?” A resposta a isso é dupla: em primeiro lugar, o facto de a pessoa viver todos os meses “à rasca” é precisamente uma indicação de que ela precisa de passar a ter um pé-de-meia, um fundo para emergências, coisa que obviamente não tem — e, numa emergência, isso pode ser catastrófico. Ou seja, para essa pessoa, poupar é ainda mais importante e urgente do que para alguém que já tenha poupanças razoáveis.

Em segundo lugar, o pagarmo-nos a nós próprios primeiro (tratando, mais uma vez, esse pagamento como uma conta a pagar obrigatoriamente) faz uso da capacidade de adaptação do ser humano. Já que (erradamente) aumentamos os nossos gastos quando temos mais, também é possível fazer o oposto e reduzi-los — mesmo coisas que pensávamos não ser possível reduzir — quando temos menos. Ou seja, uma coisa é dizer “não consigo viver com X-10%”, outra é só ter X-10% e a pessoa ter de se “desenrascar” — quando tem mesmo de ser, em geral arranjamos forma. Pode ser necessário algum esforço adicional e imaginação/novas ideias nos primeiros meses, no sentido de se aumentar a eficiência (por exemplo, procurar alternativas mais baratas, cancelar serviços que se usa pouco, etc.), mas depressa isso se torna um hábito, se torna o “novo normal”. E a vantagem disto é que, a cada mês, temos um pouco mais nosso — cada mês somos um nadinha mais “ricos”.

Como disse acima, recomendo que se tente poupar uma percentagem, em vez de um valor absoluto, já que assim a poupança mensal cresce em proporção à evolução na carreira. Para quem viva ordenado a ordenado, pode ser necessário começar com uma percentagem relativamente baixa, como 2-3%, até se aumentar a eficiência/frugalidade (e/ou os rendimentos). O George Clason recomendava, já há quase 100 anos, 10% como eventual percentagem mínima, tal como o David Bach o continua a fazer, mas há muita gente na comunidade FIRE (Financial Independence, Retire Early) a poupar 50% ou mais (o que, admito, é mais fácil com os ordenados americanos do que com os de cá…), o que pode permitir que uma pessoa se “reforme” depois de trabalhar menos de 20 anos. Espero um dia chegar a tais valores… ou ultrapassá-los, porque não. 🙂

Sugestão: criar um mapa com as datas das despesas anuais e semestrais

Se não passam (ou passaram) por isto (parabéns!), de certeza que conhecem outras pessoas a quem isto se aplica: “o pagamento do seguro X veio-me estragar as finanças este mês“. A implicação aqui é que esse pagamento chegou “de surpresa”, o que implicou que não nos preparámos para ele, não tínhamos o dinheiro já posto de parte, e por isso as finanças do mês ficam “arruinadas”.

(Eu confesso — já fiz este erro muitas vezes, nas últimas 2 décadas. “Bolas, não fazia ideia de que este mês vinha o seguro do carro! Onde é que vou desencantar XXX€?” Às vezes demoramos a aprender… enfim, mais vale tarde que nunca. 🙂 )

Mas… porquê a surpresa? Não sabemos que temos seguros (casa, carro, etc.) e afins para pagar? E em que datas é que eles “caem”, todos os anos?

A solução para isto não é “rocket science”: é olhar para os extractos dos últimos 12 meses (aqui, o homebanking ajuda bastante — dá para fazer coisas como pesquisar entre duas datas, e possivelmente depois exportar para uma folha de cálculo como o Excel, fazer filtros na mesma, etc.) e depois fazer um mapa (que pode ser um calendário, ou somente uma lista tipo “1. <dia e mês> – <designação> – <valor da última vez>”) das despesas anuais e semestrais. E depois olhar para esse mapa, sempre que necessário — idealmente, uma vez por mês, para antecipar o mês ou meses seguintes.

Melhor ainda (isto funciona para mim, mas aqui dependerá das preferências de cada um): depois de ter construído o mapa, criar alarmes para essas despesas, com uns 35 dias de antecedência. Por exemplo, se o teu telemóvel é Android, basta criar esses alarmes (sugiro aqui que se faça isso num PC, onde é mais fácil escrever) no Google Calendar, e estes são automaticamente sincronizados para o telemóvel 1. Desta forma, somos avisados de que vamos ter uma despesa esporádica tendo pelo menos um ordenado, e um mês de gastos, antes da data em questão, o que permite planear esse mês com a referida despesa em mente.

Sugestão: pagar tudo com cartão

MultibancoImagino que esta sugestão não seja, para já, muito popular, pelo menos segundo o que leio nos vários blogs portugueses que actualmente sigo (cujos autores/as parecem preferir formas mais “artesanais” de gerir estas coisas — e não vejam isto como uma crítica, OK?), e também por ir em parte contra a sabedoria popular relativa a estas questões. Mas, se quiserem saaber porque é que actualmente sou apologista de pagar tudo com cartão (ou pelo menos tanto quanto for possível), podem continuar a ler. 🙂

Primeiro, listo as razões que em geral ouço/leio para se preferir pagar em dinheiro:

  1. faz o dinheiro gasto parecer mais “real”, mais “a sério”, por estarmos a entregar ao comerciante algo físico que nos sai da carteira, em vez de apenas passarmos ou inserirmos um cartão numa maquineta e sabermos que, já bem longe, um certo valor diminui um pouco. Isto, supostamente, faz com que tenhamos mais atenção ao que gastamos;
  2. permite fazer coisas tipo “levanto 20€ no início da semana e restrinjo os gastos durante a mesma ao que tenho na carteira“;
  3. associado ao anterior: permite ter um sistema de envelopes físicos.

A minha resposta a essas 3 razões é simples: 1) questão de mentalização (o que conta não é o papel, é o valor na conta); 2) como já disse várias vezes aqui (ver o post dos envelopes, e os vários comentários — meus e não só — no mesmo), não acredito mesmo nessa ideia de “esconder (ou tornar menos acessível) o dinheiro de nós próprios“, acho que demonstra falta de auto-controlo, como se fossemos ocasionalmente dominados por uma “força” que nos obriga a fazer coisas que não queremos (como o Ricardo diz neste comentário, ter 20€ ou 200€ na carteira não deveria afectar minimamente o que gastamos), e 3) no post acima linkado explico porque é que não sou fã desse sistema.

Mas isso são só razões contra uma preferência. Porque é que tenho a preferência oposta? Porque estou convencido de que o primeiro passo para gerirmos melhor as nossas finanças é saber-se exactamente para onde está a ir o dinheiro (parece algo básico, mas muita gente não faz ideia, ou só julga que sabe — sobretudo se parte das coisas é paga em dinheiro, outra parte com cartão, etc.), e que ser tudo feito de forma electrónica torna isso ridiculamente mais fácil, sendo somente questão de nos familiarizarmos com o(s) sistema(s) de homebanking (ou extractos bancários, para quem tenha gostos peculiares). Permite, por exemplo (e repare-se que me refiro somente a olhar para movimentos; nem sequer estou a considerar aqui em softwares de finanças pessoais tipo Boonzi 1):

  • obviamente, saber exactamente quanto dinheiro sai (e entra), no total, todos os meses (anos, etc.);
  • saber exactamente quanto dinheiro gastámos em X (restaurantes, gasolina, supermercado, etc.) em determinado período (ex. último mês) — sim, tudo isto é possível fazer “à mão”, mas torna-se muito mais fácil se não tivermos de despender tempo e esforço a inserir dados (num Excel, numa folha de papel, etc.) todos os meses;
  • ver (e fazer gráficos, se estivermos para aí virados) a evolução dos vários tipos de gastos, mês após mês;
  • ter acesso rápido aos pagamentos anuais (seguros, IMI, etc.) — datas, e valores habituais/do ano passado — de forma a poder-se facilmente antecipar os próximos;
  • não ter de andar a guardar talões das lojas (ou apontar coisas) para se saber todas as despesas/compras em detalhe;
  • fazer os posts dos gastos semanais em poucos minutos (é só abrir os movimentos da conta, do cartão de crédito, e do cartão de refeição). 🙂

E isto é menor, mas… não uso uma caixa Multibanco há meses (gestão e pagamentos são pelo homebanking, e o dinheiro na carteira dura meses — só o uso às vezes na mercearia ao pé de casa). Como já devem ter reparado, detesto estar em filas. 🙂

Nota: quando digo “cartão”, refiro-me tanto a um cartão de débito (ex. Multibanco), como a um cartão de crédito (Visa, etc.), desde que este último seja sempre pago a 100%, de forma a não criar juros. Cartões de crédito não são inerentemente “evil”; usá-los para comprar o que não podemos (ou queremos) pagar agora, isso sim, é bem “evil” 2.