“Independência financeira/reforma antecipada? Mas eu GOSTO do meu trabalho…”

Na comunidade de independência financeira na Internet usa-se frequentemente o termo “FIRE” (às vezes escrito como “FI/RE”), sendo isso um acrónimo para “Financial Independence/Retire Early” 1. Independência financeira é não precisar de trabalhar por dinheiro; Reforma antecipada 2 é, supostamente, parar de trabalhar anos ou décadas antes da altura “normal” (por vezes tão cedo como os 20s ou 30s), vivendo somente dos investimentos e/ou rendimentos passivos. E, para muita gente na comunidade, estas coisas estão interligadas, de tal forma que se assume que o (único, ou pelo menos principal) objectivo da independência financeira é parar de trabalhar.

Mas as pessoas são todas diferentes (e ainda bem), pelo que é normal aqui haver quem diga algo como:

  • “Eu gosto do meu trabalho: gosto mesmo do que faço, das pessoas, etc., e não quero deixar de trabalhar, mesmo que já não precise do dinheiro.”
  • “Eu não trabalho só pelo ordenado; trabalho porque preciso de me sentir útil e realizado/a, e não ia gostar de estar permanentemente “de férias” para o resto da vida.”
  • “Ir-me-ia aborrecer tendo tanto tempo livre, sem nada para fazer. Até numas férias de 15 dias já me sinto aborrecido/a nos últimos dias — quanto mais se isso fosse para sempre!”

E tudo isto são pontos válidos.

A resposta a isto é, naturalmente, esta: a reforma antecipada não é obrigatória. Não somos obrigados a passar o resto da vida numa praia a beber margaritas de manhã à noite. 🙂 Só porque a reforma antecipada é o objectivo de muita gente na comunidade, não quer dizer que seja inseparável da independência financeira. Mas esta última é, a meu ver, desejável mesmo para quem não queira deixar de trabalhar, e acho que esta citação do Mr. Money Mustache resume tudo: o trabalho é melhor quando não precisamos do dinheiro.

Quando não precisamos do dinheiro, podemos escolher o trabalho que quisermos, que nos faça mais felizes e nos deixe mais realizados, sem estarmos com preocupações tipo “queria deixar este trabalho que detesto e me deixa sempre stressado/a, mas não posso… pelo menos é bem pago e é um emprego seguro.” Queres trabalhar num bar? Ser pet sitter? Dar aulas de mergulho? Escrever? Compor música? Criar um canal de jogos no YouTube? Tudo isso passa a ser viável: já não és obrigado a manter o emprego (mais bem pago e “seguro”) que só te causa dores de cabeça e cabelos brancos, e não te deixa tempo nenhum para a família. E se experimentares fazer uma coisa e afinal não gostares, podes passar à seguinte, sem medos.

(Pondo a coisa de outra forma: e se todos os trabalhos pagassem o mesmo? O que é que escolherias fazer? Atingindo a independência financeira, é como se assim fosse.)

Quando não precisamos do dinheiro, podemos tratar as chefias como iguais, em vez de bichos-papões que têm o poder de nos “lixar” a vida. Perde-se o medo e ganha-se dignidade, já que nunca temos de nos sujeitar a atitudes abusivas da parte dos outros — sejam colegas, seja o CEO da empresa.

E quando não precisamos do dinheiro, podemos mais facilmente tirar dias para tratar de questões pessoais, descansar, estar com a família, etc.. E quem diz dias, diz meses ou anos, se necessário — por exemplo, para fazer uma viagem de sonho, ou conhecer a fundo a cultura de outro país que sempre nos intrigou, ou estarmos realmente presentes nos primeiros anos da vida de um filho. Depois disso, não custará voltar a trabalhar, se o quisermos — e onde quisermos.

No meu caso, a independência financeira ainda está longe (se não aumentar os rendimentos, nem sei se lá chego antes da idade de reforma, por isso tenho de o fazer), mas, imaginando-me nessa situação, acho que, depois de descansar uns tempos (e pôr várias coisas, lúdicas e não só, em dia), voltaria a “trabalhar” — mas, espero eu, mais em projectos pessoais e/ou como freelancer, sem ter de ir 8 horas por dia para algum sítio. A ver se lá chego. 🙂

  1. o meu lado linguista/pedântico não gosta muito disso, já que metade da sigla é um conceito e a outra metade é uma acção: seria mais correcto “Early Retirement”, mas dessa forma ficava “FIER”, que já não é uma palavra…
  2. ainda tenho de arranjar um termo melhor para este conceito, já que isto em Portugal sugere alguém que fica a depender da reforma do Estado, o que não é o caso aqui

6 comentários em ““Independência financeira/reforma antecipada? Mas eu GOSTO do meu trabalho…””

  1. Sempre liguei o eu querer poupar e investir com o reformar-me aos 40. Para muitas pessoas é totalmente descabido pq não nova e não teria nada para fazer. E eu questiono-me porque pensam as pessoas que a reforma é não ter nada para fazer. Para mim é precisamente o contrário é eu fazer o que realmente me apetece! Se me apetecer trabalhar por uns tempos, trabalhar, se me apetecer estudar, estudar! Se me apetece fazer voluntariado fazer, tirar todos os projetos da gaveta e faze-los!!
    Isto só pode ser possível se tiver conquistado a minha indepedência financeira! Cada vez mais avalio as minhas decisões nesse ponto. Estou a fazer algo que me ajude a caminhar para lá? Até ao nível de investimento em formação por exemplo.

    1. Concordo plenamente. 🙂 Conheço várias pessoas que me dizem/disseram (mesmo sem se mencionar a independência financeira) coisas como um dos exemplos que mencionei, o “numas férias de 15 dias já estou aborrecido/a nos últimos dias, e com saudades do trabalho”, por isso sei que há muita gente assim, mas… não entendo mesmo, dá-me a ideia que são pessoas que nunca aprenderam a entreter-se, e têm falta de imaginação; precisam que lhes digam o que fazer, senão ficam a ver a relva a crescer… não admira que se aborreçam. Mas, OK, mesmo essas pessoas só teriam a ganhar com a independência financeira.

      O que dizes no fim também é bem verdade, e já tinha pensado em escrever um post sobre isso (também é mencionado no livro que estou a acabar de ler): é bom ter uma meta, e medir todas as decisões em função da mesma: “isto aproxima-me do meu objectivo?” E isso abrange imensa coisa, incluindo estudos/autoaprendizagem, como mencionas. Eu próprio preciso de me focar mais nisto; às vezes acho que ainda me disperso muito.

  2. É bom pensar que a nossa vida tem um propósito maior do que o trabalhar 🙂

    Sabes que quando comecei tinha apenas a meta e a estratégia a longo prazo definidas, depois percebi que para ser mais motivante teria de dividir essa estratégia por algo de curto e médio prazo e sem dúvida que é muito mais satisfatório. Todos os anos fico altamente entusiasmada a fazer os planos do ano e a verificar se os do ano anterior foram atingidos. Acho que sem dúvida ajuda a não perder o foco! 🙂 Sim escreve um post sobre isso, será interessante até para reflectires.

    Qual é o livro que estás a ler neste momento? Tenho sentido dificuldades em encontrar mais.. já fui lendo os clássicos xD

    1. Sim, isso dos mini-planos e mini-objectivos também me faz todo o sentido — não podemos pensar no último, já que, se ainda está a anos de distância, às vezes pode parecer que não há progresso, o que não só pode ser desanimador, como podemos acabar por ser menos eficientes, já que não medimos correctamente a distância em relação ao objectivo final. Eu ainda tenho de me organizar mais nesse aspecto… e o post que se segue (no qual já andava a pensar há um pouco, e hoje tive mais uma razão para avançar nisso) é um princípio. 🙂

      O livro que estou a ler (além dos de ficção) é o “Financial Freedom”, do Grant Sabatier, mas ainda tenho de fazer um post sobre o anterior (“The Magic of Thinking Big”, do David Schwartz). Por acaso, agora que penso nisso, nao sei qual destes dois é que mencionava a questão de analisar as decisões em função do “ajuda/não ajuda a chegar ao objectivo”… tenho de ver as anotações que já fiz.

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