Quando, há uns anos, falei aqui do livro The Automatic Millionaire, de David Bach, mencionei os 3 principais pontos do livro, dos quais os últimos 2 são:
- paga-te a ti próprio primeiro; e
- torna-o automático.
O nº 2 já é bem conhecido, tanto aqui como em (diria) mais de 90% dos livros, blogs, vídeos, cursos, etc. sobre literacia financeira. Mas o nº 3 não é, na minha opinião, menos essencial, e, a meu ver, temos menos ferramentas para o fazer cá por Portugal, em comparação com países como os EUA, em que não só podes fazer com que o teu empregador transfira automaticamente (fazendo retenção na fonte) uma percentagem do que ganhas para um 401(k), normalmente até com um bónus contribuído pelo empregador, como também há serviços como a Vanguard, com quem se abre contas lá e depois é só agendar transferências automáticas.
Por cá, há menos, pelo menos em termos de bolsa, tanto quanto sei. O ideal, a meu ver, era haver uma “conta de investimento” para cada pessoa, para a qual se agendariam transferências periódicas a partir de uma conta nossa, provavelmente aquela onde recebemos o ordenado (normalmente de forma mensal, uns dias depois de se receber), e tudo o que caísse nessa “conta de investimento” era automaticamente investido, de acordo com regras definidas por nós (ex. tudo neste único ETF; ou 70% neste, 20% naquele, e 10% naqueloutro). Ou seja, depois de se ter isso configurado, tudo o que seria preciso é ir uma vez ao site do nosso banco, e configurar uma transferência de X€ para essa tal conta, a repetir-se automaticamente, uns 3 dias depois do dia em que se recebe (para cobrir quaisquer atrasos). Dessa forma, fica tudo automatizado, sem termos de voltar a mexer um dedo — a não ser que as nossas circunstâncias de vida mudem (para melhor, espera-se) e se queira alterar o valor investido mensalmente.
Sim, em grande parte isto descreve um robo-advisor. 🙂
Ora, para quem cá ande desde o início, talvez se lembrem que cheguei a usar um serviço que funcionava basicamente assim, e que aceitava (e aceita, pelo que sei) clientes portugueses: o ETFmatic. Mas deixei de usar (e levantei tudo o que lá tinha, sem problemas), há uns anos, por achar algumas coisas suspeitas, como o site ter deixado de ter actualizações (excepto cosméticas), todos os posts no LinkedIn e Facebook serem a mesma meia dúzia em repetição (todos já com alguns anos), e outras coisas que me fizeram suspeitar que a empresa não ia durar muito. (Pelos vistos estava enganado, já que ainda dura, mas não tenho experiência com eles desde então). Desde então, os meus investimentos (em termos de bolsa) são na DEGIRO.
Sendo assim, lá para Abril decidi tentar inventar uma coisa parecida, para uso próprio (e para já sou mesmo só eu a usar). Parte da ideia veio de um post no Medium.com, em que alguém faz algo semelhante (no caso dele até mais avançado, já que ele consegue detectar quando recebe dinheiro na conta bancária, mas os bancos portugueses não abrem esse tipo de coisas, para já…), até com mais alguma complexidade do que acabei por fazer. Desde aí investiguei mais, já que a DEGIRO não tem uma API documentada (basicamente, uma forma “oficial” de o site ser acedido por programas, de forma automatizada — por contraste, a maior parte das correctoras de criptomoedas fornecem isso), mas *tem* métodos para acesso automatizado (ou seja, está mais ou menos no meio entre bancos portugueses, com os quais não se faz nada, e correctoras de criptomoedas, que permitem fazer isso tudo de forma segura, e têm isso documentado).
Resumindo a ideia:
- No banco, configuro uma transferência automática para a correctora (neste caso, a DEGIRO), de X€, no dia 25 de cada mês (costumo receber uns 2-3 dias antes);
- A minha ferramenta vai periodicamente (neste momento faço-o todos os dias da semana) à DEGIRO e vê se tem lá dinheiro acima de Y€ (para evitar compras “a conta-gotas”) e, em caso afirmativo, faz as compras que puder, de acordo com uma configuração definida por mim.
Comecei por procurar se já havia alguma coisa que fizesse exactamente o que eu queria, mas tudo o que encontrei para aceder à DEGIRO, além de fazer muito mais coisas do que quero (para isto), é tudo em linguagens de programação e/ou frameworks das quais, infelizmente, não sei praticamente nada (Node.JS, Python, etc.). Desta forma, pude ver como é que os pedidos à DEGIRO têm de ser feitos (em termos de URLs, conteúdo dos POSTs e GETs (JSON, em geral), etc.), mas tive de programar isto de raiz, em PHP.
E está a funcionar! Desde Abril (com melhorias/correcções ocasionais, claro).
Mas este post já vai longo, por isso deixo para o próximo (mais uns dias) o “como” isto funciona (“como” em termos do processo, não vou aqui falar de programação 🙂 ), como tenho configurado (e como posso mudar isso no futuro), os resultados, o pequeno “senão” ao qual sou obrigado por a DEGIRO não ter uma API a sério (spoiler: é preciso desligar a autenticação de 2 factores. Contorno isso dentro do possível, usando uma password enorme e que não uso em mais lado nenhum, mas não sei se me sentiria descansado se tivesse lá, tipo, 100x o que tenho…), o que é preciso para isto funcionar (se bem que tenho dúvidas se alguma vez vou poder disponibilizar isto de uma utilizável de uma forma geral, ou até mesmo se haveria interesse — não estou interessado (nem considero viável, nem acho que o pudesse fazer, legalmente) em criar um site tipo ETFmatic, mas que pedisse às pessoas as credenciais da DEGIRO aos utilizadores, ou mesmo algo que o fizesse numa 2º conta na DEGIRO, em meu nome, e conseguisse gerir o que é que pertence a cada um — isso é daquelas coisas que não se faria sem um departamento legal 🙂 ), etc.
Stay tuned… 😉 EDIT: aqui está a parte 2.