As vantagens de ter investimentos 100% automáticos

Depois dos meus dois últimos posts1 sobre este tema, podem perguntar-se porque é que estou a dar tanta importância (e dou) ao facto de ter agora a capacidade de ter (e manter, indefinidamente) investimentos 100% automáticos. Ora, as minhas razões são:

  1. evitar esquecimentos. Se é automático, então não precisamos de nos lembrar, o sistema faz tudo sozinho nos dias agendados;
  2. contornar a preguiça. Não é de menosprezar — em vez de ter de ir ao site do banco fazer uma transferência, esperar 1-2 dias úteis, e depois ir à corretora escolher as acções/ETFs a comprar (ou, idealmente, seguir um plano já existente, em vez de ter de decidir na altura), tudo acontece quando está agendado acontecer, e só sou avisado (e podia nem ser, mas sou sempre curioso 🙂 ) quando já aconteceu. Talvez seja em parte por ser administrador de sistemas há décadas, mas acredito que automatizar tarefas repetitivas é sempre algo positivo, que nos deixa mais tempo e energia (mental e não só) para o que realmente importa;
  3. usar a inércia a meu favor. Neste momento tenho zero trabalho para investir — garantindo assim que a cada mês tenho um pouco mais do que no anterior –, mas para parar de investir já teria um pouco de trabalho — ou seja, estou a usar a minha preguiça para benefício próprio 🙂 ;
  4. evitar tentações e/ou desvios do plano. Este é, talvez, o ponto mais importante para mim, e em grande parte a razão deste post. Uma coisa que noto em vários grupos da comunidade FIRE2 é que muitos investidores sentem um constante e imenso terror em relação à hipótese de estarem a “comprar caro” — se as bolsas têm subido, acham que comprar agora não é boa ideia, e que é melhor esperar que desçam um pouco primeiro.
    Compravas agora?
    Compravas agora? 🙂

    Mas isso quase nunca é boa ideia — a tendência dos mercados a longo prazo é sempre subir –, e acaba por ser uma forma de tentar “cronometrar o mercado” (market timing), o que é de se evitar ao máximo se estamos numa perspectiva de crescimento a longo prazo3 — afinal, “time in the market beats timing the market.” Depois há outros tipos de tentações não relacionadas com os mercados, como por exemplo o querer-se comprar alguma coisa, para a qual não há dinheiro este mês, mas se este mês não investisse nada (ou seja, se não me pagasse a mim mesmo primeiro, mas sim à loja onde quero fazer a compra), até já seria possível… O automatismo, nestes casos, impede que sejamos prejudicados pelos nossos medos, ou pela nossa impaciência e impulsividade.

Investimentos Automáticos (DEGIRO), parte 2

Continuando da parte 1:

Como é que esta ferramenta (que para já não tem nome — pensei em “DEGIRO Automator”, mas se algum dia partilhar isto com alguém e/ou publicar uma versão “para consumo geral” na net, terei de arranjar um nome mais inventivo) funciona, então?

degiro-logoMuito por alto: tenho configurada uma lista de acções e ETFs a seguir na DEGIRO, e a ferramenta tenta mantê-los equilibrados tanto quanto possível, fazendo apenas compras (isto é, nunca vende nada). Para já é mesmo “equilibrados”, ou seja, compra sempre o que está mais baixo (juntando várias unidades da mesma acção/ETF de forma a fazer o menor número de compras), ou, se alguma vez estiverem todos exactamente iguais, compra simplesmente uma unidade do primeiro da lista, e a partir daí já sabe o que fazer (os outros membros da lista estarão mais baixos).

Por outras palavras, se seguir 4 acções/ETFs, a tendência será, a longo prazo, ficar cada um com 1/4 do dinheiro investido. Se forem 5, 1/5, e assim por diante.

Desde o início que penso que eventualmente seria interessante dar a possibilidade de configurar proporções diferentes para cada açcão/ETF (ex. 10% deste, 30% deste, e 60% deste), mas para já ainda não implementei isso — neste momento, para o meu tipo de investimento, isso não é ainda necessário. Mas um dia destes programarei essa possibilidade, claro — nem que seja pelo desafio da coisa. 🙂

Um à-parte: “equilíbrio” pode aqui ser visto de duas formas: equilibrar o valor actual das várias acções/ETFs (ex. se dois começam iguais, mas um sobe e outro não, então o que não subiu está mais baixo e vai ser preferencialmente comprado na próxima vez), ou equilibrar o valor gasto para comprar os mesmos ETFs/acções (ignorando se depois sobem ou descem). Estou a fazer da primeira forma aqui… mas, só para complicar, para as criptomoedas, para as quais já tenho uma ferramenta parecida (posts futuros), equilibro da segunda forma. Penso que o que me veio à cabeça na altura era tentar ser menos afectado pela volatilidade, mas na prática não acho que a diferença entre os 2 métodos seja enorme.

E, basicamente, é isto, a correr todos os dias pelas 15h (hora em que apanho abertas tanto a New York Stock Exchange (NYSE) como a Euronext Amsterdam (EAM), onde tenho as acções e ETFs, respectivamente). Apesar de a acção mais barata que sigo custar abaixo de 10€, tenho a ferramenta configurada para nunca fazer nada se tiver menos de 50€ disponíveis na DEGIRO, de forma a evitar compras “a conta-gotas” (por exemplo, por ter recebido algum dividendo a meio do mês, se bem que se um dia eles forem “palpáveis” quero efectivamente reinvesti-los logo, daí isto ser diário em vez de correr apenas no fim de cada mês). Depois, no banco, tenho automatizada uma transferência para a DEGIRO no dia 25 de cada mês (normalmente recebo a dia 21) de um valor fixo. E, claro, tenho uma página web (só para uso pessoal) que, em conjunto com um script que vai buscar, de X em X horas, os valores actuais à DEGIRO e aos sítios onde tenho as criptomoedas, faz um gráfico todo bonito da evolução dos vários investimentos e do total deles, diz quanto ganhei/perdi hoje e desde que comecei a recolher histórico, etc.. 🙂

Como mencionei no post anterior, além de ainda não ter implementado a possibilidade de dar “pesos” diferentes a diversos investimentos (para já, tenta pôr todos iguais), uma limitação disto é que obriga a desligar a autenticação de 2 factores (2FA) na DEGIRO, já que eles (ainda?) não disponibilizam uma API a sério. Em vez disso, como disse antes, tenho uma password “enorme” (para aí uns 20 caracteres) que não uso em mais lado nenhum, pelo que é virtualmente impossível de ser adivinhada — a única forma de me acederem à conta seria se a própria DEGIRO fosse “hackada”, mas nesse caso extremo nem o 2FA ajudaria muito. Ou isso ou.. bem, isso não interessa agora. 😉 Anyway, a ver se um dia implementam uma API como deve ser, e nesse caso poderei ligar outra vez a 2FA *e* ter o meu servidor a fazer pedidos que usam chaves únicas que não incluem o username e password, e estão limitados só ao IP do mesmo.

Em termos do que é necessário para isto funcionar, no meu caso é somente um servidor Linux com PHP e MariaDB. Imagino que funcionasse em Windows (com PHP e MySQL/MariaDB) também, com pequenas alterações. Mas, para já, isto não serve mesmo para consumo de outros (excepto talvez familiares, se algum dia conseguir convencer algum de que não sou completamente maluco 🙂 ). Por exemplo, toda a configuração é feita editando scripts; não tenho nada “user-friendly” como uma página de configuração com opções e afins. Mas, para uso pessoal, funciona bem.

E quanto ao portfolio que tenho/sigo? Talvez um dia destes o partilhe aqui, mas não é nada do outro mundo — 3 ETFs para crescer, e 9 acções para dar dividendos (sendo estas escolhidas de forma a eventualmente receber dividendos todos os meses4, se bem que os que recebo normalmente ainda só têm um dígito…). Na comunidade FIRE portuguesa há em geral uma enorme aversão a receber dividendos, já que estes pagam impostos (e não há nada que o português típico odeie tanto como pagar impostos — uma ideia que vi num livro recentemente lido que acho que se aplica aqui é que neste país não vemos impostos como um custo ou taxa, mas sim como uma multa (e estas são, é claro, para se evitar sempre, e sentimo-nos mal (e estúpidos) se levamos com uma) — preferem normalmente investir num só fundo acumulativo (que reinveste os dividendos automaticamente em vez de os disponibilizar ao investidor5), como o IWDA ou VWCE. Talvez isso até seja mais eficiente a longo prazo, mas no meu caso quero mesmo eventualmente chegar a um ponto em que possa viver dos dividendos; até lá, eles são reinvestidos automaticamente pela minha ferramenta, juntamente com o que lá chega das transferências mensais automáticas. A este ritmo (até porque, como estou a poupar para amortizar o crédito, as transferências são relativamente pequenas), ainda vai demorar uns anos até os dividendos serem apreciáveis… mas grão a grão, e essas coisas. 🙂

Investimentos Automáticos (DEGIRO), parte 1

Gráfico

Quando, há uns anos, falei aqui do livro The Automatic Millionaire, de David Bach, mencionei os 3 principais pontos do livro, dos quais os últimos 2 são:

  1. paga-te a ti próprio primeiro; e
  2. torna-o automático.

O nº 2 já é bem conhecido, tanto aqui como em (diria) mais de 90% dos livros, blogs, vídeos, cursos, etc. sobre literacia financeira. Mas o nº 3 não é, na minha opinião, menos essencial, e, a meu ver, temos menos ferramentas para o fazer cá por Portugal, em comparação com países como os EUA, em que não só podes fazer com que o teu empregador transfira automaticamente (fazendo retenção na fonte) uma percentagem do que ganhas para um 401(k), normalmente até com um bónus contribuído pelo empregador, como também há serviços como a Vanguard, com quem se abre contas lá e depois é só agendar transferências automáticas.6

Por cá, há menos, pelo menos em termos de bolsa, tanto quanto sei. O ideal, a meu ver, era haver uma “conta de investimento” para cada pessoa, para a qual se agendariam transferências periódicas a partir de uma conta nossa, provavelmente aquela onde recebemos o ordenado (normalmente de forma mensal, uns dias depois de se receber), e tudo o que caísse nessa “conta de investimento” era automaticamente investido, de acordo com regras definidas por nós (ex. tudo neste único ETF; ou 70% neste, 20% naquele, e 10% naqueloutro). Ou seja, depois de se ter isso configurado, tudo o que seria preciso é ir uma vez ao site do nosso banco, e configurar uma transferência de X€ para essa tal conta, a repetir-se automaticamente, uns 3 dias depois do dia em que se recebe (para cobrir quaisquer atrasos). Dessa forma, fica tudo automatizado, sem termos de voltar a mexer um dedo — a não ser que as nossas circunstâncias de vida mudem (para melhor, espera-se) e se queira alterar o valor investido mensalmente.

Sim, em grande parte isto descreve um robo-advisor. 🙂

Ora, para quem cá ande desde o início, talvez se lembrem que cheguei a usar um serviço que funcionava basicamente assim, e que aceitava (e aceita, pelo que sei) clientes portugueses: o ETFmatic. Mas deixei de usar (e levantei tudo o que lá tinha, sem problemas), há uns anos, por achar algumas coisas suspeitas, como o site ter deixado de ter actualizações (excepto cosméticas), todos os posts no LinkedIn e Facebook serem a mesma meia dúzia em repetição (todos já com alguns anos), e outras coisas que me fizeram suspeitar que a empresa não ia durar muito. (Pelos vistos estava enganado, já que ainda dura, mas não tenho experiência com eles desde então). Desde então, os meus investimentos (em termos de bolsa) são na DEGIRO.

Sendo assim, lá para Abril decidi tentar inventar uma coisa parecida, para uso próprio (e para já sou mesmo só eu a usar). Parte da ideia veio de um post no Medium.com, em que alguém faz algo semelhante (no caso dele até mais avançado, já que ele consegue detectar quando recebe dinheiro na conta bancária, mas os bancos portugueses não abrem esse tipo de coisas, para já…), até com mais alguma complexidade do que acabei por fazer. Desde aí investiguei mais, já que a DEGIRO não tem uma API documentada (basicamente, uma forma “oficial” de o site ser acedido por programas, de forma automatizada — por contraste, a maior parte das correctoras de criptomoedas fornecem isso), mas *tem* métodos para acesso automatizado (ou seja, está mais ou menos no meio entre bancos portugueses, com os quais não se faz nada, e correctoras de criptomoedas, que permitem fazer isso tudo de forma segura, e têm isso documentado).

Resumindo a ideia:

  1. No banco, configuro uma transferência automática para a correctora (neste caso, a DEGIRO), de X€, no dia 25 de cada mês (costumo receber uns 2-3 dias antes);
  2. A minha ferramenta vai periodicamente (neste momento faço-o todos os dias da semana) à DEGIRO e vê se tem lá dinheiro acima de Y€ (para evitar compras “a conta-gotas”) e, em caso afirmativo, faz as compras que puder, de acordo com uma configuração definida por mim.

Comecei por procurar se já havia alguma coisa que fizesse exactamente o que eu queria, mas tudo o que encontrei para aceder à DEGIRO, além de fazer muito mais coisas do que quero (para isto), é tudo em linguagens de programação e/ou frameworks das quais, infelizmente, não sei praticamente nada (Node.JS, Python, etc.). Desta forma, pude ver como é que os pedidos à DEGIRO têm de ser feitos (em termos de URLs, conteúdo dos POSTs e GETs (JSON, em geral), etc.), mas tive de programar isto de raiz, em PHP.

E está a funcionar! Desde Abril (com melhorias/correcções ocasionais, claro).

Mas este post já vai longo, por isso deixo para o próximo (mais uns dias) o “como” isto funciona (“como” em termos do processo, não vou aqui falar de programação 🙂 ), como tenho configurado (e como posso mudar isso no futuro), os resultados, o pequeno “senão” ao qual sou obrigado por a DEGIRO não ter uma API a sério (spoiler: é preciso desligar a autenticação de 2 factores. Contorno isso dentro do possível, usando uma password enorme e que não uso em mais lado nenhum, mas não sei se me sentiria descansado se tivesse lá, tipo, 100x o que tenho…), o que é preciso para isto funcionar (se bem que tenho dúvidas se alguma vez vou poder disponibilizar isto de uma utilizável de uma forma geral, ou até mesmo se haveria interesse — não estou interessado (nem considero viável, nem acho que o pudesse fazer, legalmente) em criar um site tipo ETFmatic, mas que pedisse às pessoas as credenciais da DEGIRO aos utilizadores, ou mesmo algo que o fizesse numa 2º conta na DEGIRO, em meu nome, e conseguisse gerir o que é que pertence a cada um — isso é daquelas coisas que não se faria sem um departamento legal 🙂 ), etc.

Stay tuned… 😉 EDIT: aqui está a parte 2.

Investimento *abaixo* de 100%! Estou preocupado?

Claro que não. 🙂

Expandindo a coisa: ontem vi, desde que comecei a série Acumulação vs. Investimento, actualmente no seu 3º mês, o valor dos investimentos (em comparação com a acumulação, que serve de ponto de referência, a 100%) descer abaixo dos 100% (há uns 10 dias estava em cerca de 104%). Ou seja, por momentos tive menos dinheiro nos investimentos (mesmo contando com dividendos, mas retirando as tarifas do ETFmatic) do que tenho na conta (sem juros, intencionalmente) onde tenho a acumulação. (Digo “tive”, passado, porque entretanto já subiu um pouco, estando neste momento nos 100.57%.)

É este tipo de coisas que tende a assustar quem está a considerar investir na bolsa: a ideia de que o valor das acções compradas “está a baixar“, que “tinha sido melhor guardar o dinheiro“, que isto da bolsa “é como um jogo de azar“, e assim por diante. E, sim, admito que, para quem não se interesse e tenha lido um bocado sobre estas coisas há já algum tempo, isto pode ter um impacto psicológico não desprezável. Eu próprio, quando vi no widget do telemóvel certo valor a vermelho, em vez do habitual verde, tive como primeira reacção o medo — acho que ainda não tenho o “calo” necessário para não o ter.

Felizmente, tenho pelo menos o “calo” necessário para não fazer disparates 🙂 (tipo “pânico!! vou já vender tudo antes que desça mais!!“), e esse medo dura apenas uns segundos: de seguida vem o raciocínio. Tanto o raciocínio mais geral (é natural a bolsa descer e subir ao longo de curtos períodos de tempo, mas a longo prazo a tendência é sempre subir), como o mais específico relativamente a este caso particular (“porque é que a bolsa caiu? Ah, pois, foi o palhaço do Trump que ameaçou a China com mais tarifas outra vez — e desta vez o impacto na bolsa até foi muito menor do que da última vez, no ano passado. As pessoas começam a aprender…7).

Anyway, o importante aqui é: manter o rumo. Investir não deve ser uma questão de se reagir aos mercados 8, mas sim uma questão de se ter uma filosofia de investimento (no meu caso, investir o que puder, todos os meses, num pequeno conjunto de ETFs de index funds 9), segundo a qual, neste caso, os “soluços” da bolsa são não só normais, como algo a ignorar, em geral.

Investimento: alguns conceitos básicos

Acções? Obrigações? Fundos? ETFs? Achei que estes conceitos faziam falta na lista, mas ao mesmo tempo, como estão todos relacionados entre eles e as definições são relativamente breves, escolhi fazer um único post. Espero que seja útil. 🙂

S&P 500

Acções

(também conhecidas por “ações” para quem segue o Acordo Ortográfico 🙂 )

Uma acção (“stock“, em inglês) é, na sua definição mais simples, um “pedacinho” de uma empresa, que, depois de comprada, faz de nós “accionistas” da mesma. Uma acção pode ser comprada ou vendida ao preço actual da mesma, e pode (mas não acontece com todas) pagar dividendos aos seus donos (em geral alguns cêntimos por cada acção possuída), normalmente de forma anual, semestral ou trimestral.

Obrigações

Obrigações (em inglês, “bonds“) são, para todos os efeitos, um empréstimo que fazemos a algo em geral “maior” do que nós: muitas vezes o próprio país/Estado, mas também podem ser empresas ou outras organizações. Tal como as acções, também podem ser compradas ou vendidas. Tendem a ser menos voláteis (isto é, variar menos) do que as acções.

(NOTA: A sabedoria popular, há uns anos, sugeria que a percentagem de obrigações no nosso portfolio devia ser equivalente à nossa idade: por exemplo, tendo 30 anos, dever-se-ia ter 30% de obrigações (e os restantes 70% em acções), ajustando essas proporções — comprando umas e (possivelmente) vendendo outras — à medida que se envelhece. Actualmente, isso é visto (sobretudo na comunidade de independência financeira) como demasiado conservador; faz talvez sentido ter algumas obrigações para servir de “almofada” quando acontecem “crashes” e afins, mas mais do que 10% antes dos 60 anos faz provavelmente pouco sentido, já que acções historicamente rendem bastante mais, por isso ao “apoiarmo-nos” demasiado nas obrigações por um longo período de tempo (ex. décadas) estamos efectivamente a perder dinheiro. Anyway, nada disto são conselhos de investimento, OK? 🙂 )

Fundos mútuos

Fundos mútuos (“mutual funds“) são um conjunto/portfolio de acções (ou possivelmente obrigações, ou até uma mistura de ambas, mas o mais frequente é tratar-se só das primeiras) englobadas num fundo disponibilizado por uma organização, tornando-se a pessoa cliente dessa organização. Estes fundos podem ser geridos ou passivos/de índice.

Um fundo gerido (“managed fund“), como o próprio nome sugere, é mantido por alguém — uma pessoa, ou, mais frequentemente, uma equipa pertencente a uma empresa — que decide, e ajusta, que acções (e possivelmente obrigações, se for um fundo híbrido) fazem parte desse fundo, e em que proporção. Essa pessoa ou equipa, desta forma, tentam antecipar os mercados, na esperança de comprar barato e vender caro, tentando prever/adivinhar o que vai subir ou descer. (Isto é feito normalmente através de análise técnica (ver padrões em gráficos) e análise fundamental (tentar ver se a empresa está “cara” ou “barata”), mas estes conceitos são demasiado complexos para um artigo introdutório, além de que acredito que há uma alternativa mais simples e superior — já lá vamos.) E, naturalmente, essa pessoa, equipa, empresa, etc. não vende os seus serviços barato…

Por outro lado, um fundo de índice (“index fund“) é gerido passivamente, de forma automática; ele simplesmente tenta reproduzir uma lista/índice de acções, como por exemplo o S&P 500, ou o seu equivalente de outro país (ex. o PSI-20 em Portugal), ou até mesmo a totalidade de uma bolsa, ou de todas as bolsas do mundo, e nas proporções apropriadas (ex. se a empresa em primeiro lugar no índice tem 10% do valor do mesmo, então as acções dessa empresa serão 10% do fundo de índice em questão). No caso de um fundo deste tipo (também há fundos de índice mais específicos, por exemplo a seguir empresas só de determinada área, como por exemplo o imobiliário, biotecnologia, etc.), para todos os efeitos, ele “segue” o mercado em questão, subindo quando ele sobe e descendo quando ele desce. Acaba, portanto, por ser equivalente à média do mercado — e, historicamente, têm superado os fundos geridos manualmente. E, como estes fundos não são geridos manualmente, acabam por ter comissões muito mais baixas (normalmente entre 0.07% e 0.25%) do que os referidos fundos geridos.

ETFs

ETF” são as iniciais de “Exchange-Traded Fund“, ou seja, fundo negociado na bolsa. São, portanto, uma união de dois conceitos: acçõesfundos mútuos. Desta forma, permitem acesso fácil e rápido a fundos (normalmente de índice, mas também existem ETFs de fundos geridos manualmente), com a possibilidade de comprá-los ou vendê-los de forma quase instantânea (é igual a comprar ou vender acções individuais), e com tarifas/custos muito baixos, o que os torna actualmente tão populares. Por último, comprar ETFs não nos torna clientes directamente da empresa que os gere (ex. Vanguard, iShares, etc.), já que as compras e vendas podem ser feitas pelo indivíduo directamente numa correctora (ex. DeGiro), se bem que há também a possibilidade de usar um “robo-advisor” como o ETFmatic.

(Actualmente tudo o que tenho é em ETFs, se bem que já “brinquei” com acções individuais há uns anos.) 

Mais juros compostos: o poder de começar mais cedo

Como ainda não vos chateei o suficiente sobre juros compostos, partilho aqui uma demonstração (isto faz-se em um minuto ou dois com uma folha de cálculo tipo Excel) de como, mais do que investir “muito”, o importante é começar cedo.

Tal como no post anterior, vamos assumir que os juros conseguidos são 5% ao ano (como passo a vida a dizer, isso é menos do que a média histórica de um index fund de S&P500 nos últimos 30 anos, por isso é uma estimativa conservadora). Vamos criar aqui duas novas personagens para o exército OvelhaOstra: a Anabela e a Beatriz (sim, as iniciais serem A e B é intencional 🙂 ). Ambas vão investir, tal como a Rita no exemplo anterior, 100€/mês (ou 1200€/ano), durante 25 anos, mas com uma diferença fundamental:

  • a Anabela começa cedo (no ano 1), mas deixa de investir nos últimos 5 anos (anos 21 a 25), ficando só a ganhar juros do que já tem investido;
  • por outro lado, a Beatriz não investe nada nos primeiros 5 anos (anos 1 a 5), mas depois disso investe regularmente até ao ano 25.

Por outras palavras, no fim dos 25 anos, cada uma investiu 1200€ por ano durante 20 anos seguidos (total de 24000€). Como é que acham que as nossas amigas vão estar no fim do ano 25? Mais ou menos na mesma (afinal investiram a mesma quantia, no total)? Ou uma delas terá um pouco mais?

Que tal mais de 10000€ de diferença, a favor da Anabela?

Anabela vs. Beatriz – 25 anos

Querem um gráfico? Arranja-se um gráfico:

Anabela vs Beatriz - gráfico
Anabela vs Beatriz – gráfico

Reparem como, depois do ano 20, a Anabela “abranda” um pouco (por parar de investir), mas  mesmo assim o avanço que tem é mais que suficiente para acabar com 10K€ a mais do que a rival amiga.

Querem mais? Vamos supor que a Beatriz tenta recuperar o tempo perdido e, nos últimos 5 anos, investe o dobro: 2400€/ano. Acham que chega para alcançar a Anabela, que nesses 5 anos continua a não investir mais nada? A resposta é não. Mostrando somente os últimos anos:

A (quase) vingança da Beatriz

Como podem ver, a Anabela continua com uns 4300€ a mais. Ou em gráfico:

A quase-vingança da Beatriz

Em resumo: começar cedo é o mais importante aqui, já que mesmo parando de investir, depois de certo ponto os juros compostos fazem os investimentos continuar a crescer sozinhos. E, para recuperar o tempo perdido, é necessário um investimento bem maior — neste exemplo, vimos que mesmo duplicando o investimento nos últimos 5 anos, não se alcançou quem simplesmente começou 5 anos mais cedo.