(Espero que o “parte 4” no título seja uma boa pista para o facto de ser boa ideia ler as partes 1, 2 e 3 primeiro. 🙂 )
No episódio anterior, o Zé, ao “limpar” as dívidas dos cartões de crédito (e passar a pagar 100% dos mesmos todos os meses, caso os use), já fez, provavelmente, a mudança financeira mais importante que podia fazer: garantiu que, se não alterar o referido pagamento a 100% nem contrair novas dívidas, então irá sempre, para o resto da vida, dever menos que no mês anterior (até, espera-se, um dia não dever nada).
Como é que está, então, a situação do Zé agora? Vamos assumir que a parte 3 durou 2 anos (parece-me uma duração razoável para pagar os 4600 euros do total dos cartões, com os rendimentos que ele tinha disponíveis para isso. Possivelmente até se faria em menos tempo, mas vamos ser conservadores (além de 2 anos ser um número simples)). Nesses 2 anos, naturalmente, o Zé continuou a pagar as mensalidades fixas do crédito pessoal e do crédito habitação que tinha, pelo que actualmente a situação dele é:
A ENTRAR:
Ordenado: 1500€ líquidos por mês (já é talvez tempo de pensar em ser aumentado ou mudar de emprego, não é? 🙂 Mas não vamos complicar, nesta altura.);
A SAIR:
Casa: tem um crédito inicialmente de 100.000€, a pagar 350€/mês durante 30 anos (dos quais já “só” faltam 23)
Cartões de crédito: nada! 🙂
Crédito pessoal:
– entidade JKL, crédito a 6 anos de 16000€, TAN de 9.5%, pagamentos fixos de 300€. Já foram pagos 2 anos e meio, por isso a dívida (como no início se paga mais os juros que outra coisa) estará ainda perto dos 10000€. .
Gastos mensais: como vimos anteriormente, o Zé abraçou a frugalidade e continua a viver (contas, alimentação, transportes, etc.) com 400€/mês. Até já se tornou natural para ele; às vezes abana a cabeça ao lembrar-se do seu consumismo passado…
RESULTADO:
Ordenado: 1500€
Gastos mensais + pagamento dos dois créditos = 1050€
Restam: 450€
Crédito pessoal:
O passo seguinte, naturalmente, deverá ser tentar pagar o crédito pessoal (que tem os juros maiores, e ao mesmo tempo é menor) antecipadamente. Aqui… não posso aconselhar directamente, já que nunca o fiz — já cheguei a pagar totalmente créditos deste tipo quando tive dinheiro para o fazer de uma vez (devido a uma herança), mas não tenho experiência em fazê-lo só parcialmente. O que recomendaria ao Zé seria falar com a entidade onde tem o crédito, a ver que opções tem. Por exemplo:
- juntar uma boa quantia e pagar uma boa “fatia” do crédito, de forma a reduzir as prestações mensais (idealmente, para permitir de seguida juntar a totalidade do restante);
- juntar uma boa quantia e pagar uma boa “fatia” do crédito, de forma a acabar de o pagar mais cedo;
- uma combinação das duas anteriores (menor prestação e menor duração);
- ver se não é possível duplicar as prestações (o Zé agora tem dinheiro todos os meses para isso), de forma a pagar em metade do tempo (e com menos juros no total).
Como disse, não tenho experiência com isto; do que consegui investigar, estas opções serão possíveis, mas o melhor será sempre falar com a entidade de crédito.
Crédito habitação:
Nesta altura, tendo-se livrado do crédito pessoal, o Zé só tem como gastos regulares 400€ + 350€ = 750€, o que lhe deixa (assumindo que ainda não conseguiu ser aumentado) outros 750€ todos os meses. Aqui ele terá várias opções:
- reduzir a frugalidade: o Zé decidiu que já chega de tanta poupança, e que agora vai melhorar o seu nível de vida. Mas aprendeu bem a lição: os cartões de crédito são só para conveniência (ex. compras online), nunca para pagar em vários meses o que não se consegue pagar no momento. A casa continua a ser paga normalmente.
- ter filhos: com todos os gastos adicionais que isso implica, e portanto os 750€ já têm para onde ir. A frugalidade (fora o que tiver a ver com o bebé) é mantida, e a casa continua a ser paga normalmente.
- tentar pagar a casa mais cedo: é possível, tal como para os créditos pessoais, se bem que os valores necessários para fazer alguma diferença serão bem maiores. A frugalidade é mantida. Mas não recomendaria, normalmente, isto, devido à hipótese seguinte, que é…
- investir o dinheiro que resta todos os meses num “index fund” de S&P 500 (ou semelhante): como já mencionei várias vezes neste blog, não faz sentido investir dinheiro com a possibilidade de este render a uns 7% por ano (a média para os últimos 30 anos — obviamente que há anos melhores e piores) enquanto se tem dívidas com juros anuais bem maiores que esses (ex. 15-25%). Mas o caso específico do crédito habitação é uma excepção: os juros são bem mais baixos (normalmente abaixo de 3%), de tal forma que tentar pagá-lo mais depressa é menos eficiente, a longo prazo, do que pagá-lo à velocidade normal, manter a frugalidade, e usar o que resta para investir, todos os meses, num “index fund” bastante abrangente (S&P 500, Total Stock Market, etc.). Claro que estamos a falar de décadas (nem vale a pena pensar em investir na bolsa se não se estiver a pensar em décadas), e toda esta área (sobre a qual penso vir ainda a escrever bastante, no futuro; este não é, afinal, um post sobre investimento) pode ser assustadora para alguns. Mas acredito que, desta forma, teria mais dinheiro daí a 20 anos do que simplesmente tentando pagar a casa mais depressa, e é o que, sabendo o que sei hoje, faria nesta situação.
E é isto. De resto: não mencionei isso com grande ênfase (já que o objectivo desta série de posts é “sair-se do buraco” das dívidas), e assumi que o ordenado se mantém fixo, mas isso, obviamente, não tem de ser assim, e esperaria, nesta história toda, que o Zé também tivesse arranjado formas de aumentar os seus rendimentos (aumentos, promoções, mudanças de emprego, projectos pessoais, “biscates”, venda de coisas compradas na “fase consumista” que estejam a ganhar pó na arrecadação, etc.). Juntando isso à frugalidade, dá para conseguir bem melhor (e em menos tempo) do que aqui demonstrei.
Obrigado desde já pela paciência (acreditam que a minha ideia original era dizer isto num único post? Pois…), e espero que isto seja útil a alguém. Qualquer questão, estejam à vontade para comentar.